segunda-feira, 4 de junho de 2012

A Revolução Francesa

A revolução Francesa, abordada por Soboul em seu texto, parte de premissas
metodológicas oriundas do Marxismo Clássico segundo a qual é a partir da
emergência da classe burguesa, aproveitando-se da falência do Antigo
Regime, e dos movimentos de luta populares, que assume o poder e torna o
Capitalismo hegemônico nas formações econômico sociais, submetendo a
seus interesses toda a produção material. É o processo de transformação
capitalista da sociedade e sua subordinação às exigências do capital. Este
processo engendra, também, a construção de um Estado. de instituições
políticas, adequados aos interesses da burguesia. Ele ocorre em dois
momentos distintos. No primeiro, de longa duração, com mudanças sociais e
econômicas; em outro momento, na curta duração, a partir de mudanças
políticas e institucionais, em que participam movimentos paralelos e
antagônicos: um da burguesia, e outro, mais radical, dos pobres e explorados
da cidade e do campo.
Neste resumo apresentamos a configuração da nova sociedade francesa após
o Antigo Regime, a formação do estado burguês, a questão da nação e dos
direitos dos homens.
A Nova sociedade francesa - A ruína da antiga aristocracia feudal. A primeira
etapa da Revolução, através de decreto-lei, acabou com a distinção entre a
nobreza e o restante da população. Em seguida, os atos legislativos baixados
pela direção revolucionária da burguesia com o apoio dos camponeses foram
os de suprimir todos os antigos direitos feudais como o dízimo das colheitas.
Em 1793, a radicalidade trazida pelos novos atos de lei provocou a queima de
praticamente todos os títulos feudais e a nobreza se viu completamente
destituída de poder econômico. Com a retomada da revolução pela burguesia
em 1795, há um abrandamento dessa situação e uma restituição de terras para
parte da antiga nobreza, justamente aquela já aburguesada e assimilada à
Revolução.
O tempo de longa duração é tempo da corrosão e superação das formas précapitalistas,
subordinando-as ao poder do mercado e do capital. A produção
material é submetida e se transforma em produção de mercadorias, reificando
a força de trabalho. As relações mercantis se generalizam e o dinheiro passa a
ser a medida geral de todas as coisas e valores. Esse longo tempo vai desde o
longínquo surgimento das primeiras formas capitalistas, até as vésperas do
tempo de curta duração, em que são postas as condições objetivas para que
as transformações se tornem dominantes. O período da Revolução Francesa é
o período de curta duração e traduz a luta política da burguesia pelo controle
do Estado. Esta luta se manifesta quando o poder econômico permite aos
capitalistas enfrentarem a velha aristocracia pelo domínio da sociedade.
A classe burguesa tem nas formas políticas e jurídicas ultrapassadas e no
emperramento das relações de produção, que impedem o pleno
desenvolvimento e a ampliação dos negócios da burguesia, sua arma de
mobilização social. É nesse tempo que a luta contra a aristocracia feudal e
latifundiária se manifesta tendo como atores: a burguesia e a classe
camponesa, instrumentalizada pela crise. Este tempo, embora dentro do rápido
período designado de curta duração, deve ser entendido como o período
necessário para a classe burguesa domine o aparelho de Estado, com criação
das instituições políticas que viabilizam o governo dos proprietários, sob
hegemonia burguesa, exercido sobre o conjunto da sociedade. O movimento
da burguesia limita-se à mudança política e jurídica para estabelecer a
igualdade entre os setores proprietários, o fim das restrições feudais à
realização de negócios, a unificação do Estado nacional. Alcançado esses
objetivos, os políticos e ideólogos empreendem um enorme esforço para
regulamentar o jogo político-eleitoral de forma a manter o formalismo jurídico
da consulta popular e limitar a expressão institucional da vontade popular. O
parlamento não foi uma criação das massas revolucionárias, como a Comuna
de Paris, em 1871, ou os sovietes, na revolução russa. O movimento da
burguesia é paralelo ao levante plebeu e camponês, e se beneficia dele. Os
artesãos, pequenos comerciantes, pequenos patrões, os trabalhadores
assalariados das cidades, por um lado, e os camponeses por outro, lutam pelo
fim de todos os privilégios, não apenas os da aristocracia. Exigem a igualdade
entre os homens, a democratização do Estado e da política, e a instauração de
um governo voltado para o bem comum.
Com as terras do clero, a perseguição foi ainda mais implacável. Houve a
disponibilidade da venda dos chamados bens nacionais da aristocracia e do
clero. Os do clero, chamados de primeira origem foram disponibilizados em
novembro de 1789 e todos os bens fundiários da Igreja francesa foram
vendidos sem exceção, decretando o fim do poder eclesiástico no estado
francês. O resultado da revolução para a aristocracia foi o fim de todos os
privilégios feudais o que praticamente causou seu desaparecimento. Aqueles
poucos que se conservaram aristocráticos transformaram suas propriedades
em empresas agrícolas, fundindo-se durante o início do século XIX com a
burguesia emergente, tornando-se, assim, a nova classe dirigente francesa. 2.
Liberdade econômica e classes populares A livre iniciativa (laissez-faire) foi
amplamente estimulada pela burguesia dirigente nas cidades e nos campos o
que trouxe nos dez anos da Revolução uma profunda transformação na
segmentação social de classes da França. Os antigos camponeses donos de
pequenas propriedades e que vendiam sua produção a um senhor, libertos dos
deveres feudais, cresceram e tornaram-se médios proprietários e
empregadores de mão-de-obra rural. A velha servidão foi abolida e os
habitantes do campo, ou tornaram-se pequenos proprietários lavradores, ou
migraram para as cidades, ou, ainda, tornaram-se assalariados daqueles novos
camponeses enriquecidos, alguns deles homens provindos da cidade,
burgueses empreendedores. Nas cidades, da mesma forma, os pequenos
artesões e comerciantes familiares cresceram e montaram fábricas e outros
negócios de pequeno e médio porte empregando um nascente proletariado
urbano. Esse proletariado surgiu, na maioria, do povo marginalizado durante o
antigo regime, boa parte dele vindo dos sans-culotte que se assalariaram
durante a Revolução e que a sustentaram com sua luta revolucionária. Outro
fenômeno característico da Revolução Industrial, mais presente na Inglaterra,
também ocorreu nas grandes cidades francesas. Segundo Souboul, entre os
pequenos e médios produtores, “alguns, obtiveram sucesso e se tornaram
capitalistas industriais, outros permaneceram ligados ao trabalho artesanal nas
oficinas, a maior parte perdendo mercado e indo engrossar as fileiras do
proletariado urbano durante o século XIX.” Segundo o autor, já na virada do
século XVIII para o XIX, havia certa compreensão de parte desses
trabalhadores de que a mecanização traria o fechamento de suas oficinas
reduzindo-os à condição de operários assalariados.
A desagregação das massas camponesas. A passagem de um modelo feudal
de produção do tipo senhor x campesinos (servos / pequenos proprietários /
trabalhadores eventuais) para um regime de produção do tipo assalariado ou
de concessão de terras, desarticulou completamente as antigas relações de
trabalho no campo. O resultado dessa transformação pode ser resumido em
duas situações diferentes. A primeira é a daquelas áreas de grande cultivo
extensivo, onde a mudança ocorreu de forma rápida e a nova burguesia rural
proprietária de terras trouxe a mecanização para a agricultura. O camponês
tornou-se assalariado rural ou da indústria agrícola e fechou-se o ciclo do
capitalismo agrário. A segunda é a daquelas áreas rurais de pequenas
culturas, onde a transformação foi lenta e, desaparecendo a figura do senhor,
surge o antagonismo entre o camponês pequeno proprietário e o trabalhador
sem terra que luta pela defesa do uso comum dos campos e dos bosques.
Esse confronto continuou durante todo o século XIX opondo três segmentos
sociais agrários diferentes: o dos produtores capitalistas, aquele dos pequenos
proprietários e, enfim, o dos camponeses sem terra, agora trabalhadores por
jornada para ambos.
4. Nova e velha burguesia Já nos tempos do Antigo Regime havia na França
uma burguesia perfeitamente integrada ao antigo sistema econômico e social,
dividindo as benesses da situação com a aristocracia rural, apesar de não ter,
na maioria dos casos, os mesmos privilégios nobiliários por ela adquiridos.
Esses burgueses proprietários de fazendas que viviam numa condição de
nobreza com suas rendas fundiárias e os direitos feudais que extraíam dos
camponeses viram esses privilégios desaparecerem assim como os dos
nobres, com os sucessivos decretos revolucionários que extinguiram qualquer
direito adquirido da nobreza, inclusive, em alguns casos, até a perda da
propriedade rural. A alta burguesia dos negócios também sofreu a decadência
com a supressão dos impostos indiretos, com o fechamento da Bolsa de
Valores em 1793, o desaparecimento da Caixa de Finanças e as reduções
sucessivas da taxa de interesses durante o governo jacobino. Nos dez anos da
Revolução houve uma transformação no perfil da burguesia francesa com essa
velha classe dando lugar aos novos burgueses, arrivistas que se enriqueceram
especialmente no período do Diretório entre 1795 e 1799. Muitas companhias
aproveitaram-se da fraqueza do governo do Diretório para depauperar o
Estado. À frente dos negócios dessa nova burguesia estavam as práticas de
especulação financeira e o fornecimento superfaturado de materiais ao
Exército. O dinheiro obtido, à custa do poder público, foi investido em outras
frentes econômicas, de atividades industriais, principalmente o setor têxtil, e na
sociedade com velhos comerciantes e novos industriais dando impulso ao
grande capitalismo francês do século XIX. Assim, a burguesia francesa foi
renovada, incorporando em suas fileiras estes novos ricos que abandonaram a
especulação financeira e investiram seu capital no setor produtivo. Isso ocorreu
também com os setores intermediários e da pequena burguesia, havendo uma
renovação desta classe como que num efeito dominó gerado a partir do
saqueio aos bens do Estado. Numa escala menor, também entre a pequena
burguesia e o povo a especulação financeira aparece como o meio de
promoção social no período do Diretório. Entende-se porque o fim desse
período turbulento de ausência de poder político central numa França que
rapidamente se aburguesava, deu-se com a chegada de Napoleão, o salvador
da pátria, impondo ordem política ao governo fragilizado. No século XIX, no
período napoleônico, feita a pacificação social interna, opera na França a fusão
entre a nova burguesia enriquecida, a aristocracia restante e os camponeses
pequenos proprietários, todos identificando a nova idéia de nação à de
propriedade burguesa. Encerrava-se na esfera social no decorrer do século
XIX o objetivo dos burgueses revolucionários do século passado. Restaria à
massa alijada do poder político e econômico recriar outra ideologia
revolucionária.
O velho estado francês foi transformado durante a Revolução com a idéia
central de soberania nacional e de razão de Estado. Não mais um Estado que
era a própria encarnação de seu soberano, mas sim a emanação soberana de
seu povo. Lograva-se a tentativa de por em prática, durante a revolução, a
idéia de Rousseau, de um estado que seria a vontade geral de seus cidadãos.
Para a regulação disso foi preciso o estabelecimento implícito de um contrato
entre governantes e governados. O estado francês tornou-se um estado
contratualista. Resta saber, agora, durante o século XIX quem foram os
cidadãos ou as classes sociais que puderam participar e fazer parte deste
“contrato”.
Histórico do estado revolucionário 1) Entre 1789 e 1792 (monarquia
constitucional), poder político da burguesia, descentralização, poder nos
municípios, soberania individual restrita aos notáveis e ao crivo censitário
(riqueza). 2) Entre 1792 e 1795 (República jacobina), poder político entre
facções da pequena burguesia e camadas populares. Nova centralização
política, ampliação da cidadania irrestrita, eliminação dos dissidentes, razão de
estado elevada ao máximo (Robespierre antecipa o bolchevismo soviético). Os
dissidentes radicais mais exaltados, os sans-culotte, portanto a camada
economicamente mais baixa da população, mas altamente politizada,
reclamava pela democracia direta, prenunciando as idéias anarquistas
francesas futuras de Saint-Simon e Proudhon. 3) Entre 1795 e 1799 (República
burguesa) restauração do estado liberal burguês e separação da economia do
dirigismo estatal. Nova exclusão censitária do sufrágio, diminuição da
cidadania política. 4) 18 Brumário: golpe de Estado. Implantação do estado
autoritário, ditadura do cônsul Napoleão. Alargamento da base de apoio para
as massas e para a aristocracia. Afirmação do estado burguês e laico. 2.
Separação da Igreja do Estado Durante o período revolucionário propriamente
dito, entre 1789 e 1795, houve uma intensa perseguição ao clero com a
desapropriação de todos os seus bens. Houve também uma separação total do
estado em relação à Igreja e o fim do reconhecimento da religião católica como
religião oficial do Estado.
Já, com a chegada de Napoleão e o Império houve uma restauração religiosa,
porém em bases muito diferentes daquelas do Antigo Regime. Para manter a
estabilidade social, uma vez que havia intensa ligação de grande parte da
população francesa com a religião, Napoleão reconheceu a religião católica
como a religião da maioria da população francesa. Manteve a Igreja firme
debaixo da tutela do estado, mas impediu que o catolicismo se tornasse
religião oficial, deixando assim, para sempre, o estado francês laico. 3. Os
serviços do Estado A Revolução reformou completamente o aparato estatal.
Implantou um sistema de maior racionalidade, típico da burguesia. Houve uma
reforma intensa da taxação pública e da coleta de impostos, com uma mistura
entre a descentralização de algumas operações fiscais para os municípios e a
centralização de outras dentro do estado autoritário napoleônico.
III Unidade nacional e igualdade de direitos 1. A unificação nacional 2.
Igualdade de direitos e realidade social 3. Direitos sociais: assistência e ensino
A idéia de nação e de cidadania francesa teve de ser estendida a toda a
população que, para aceitá-la, teve de se sentir, assim, cidadã. Como cumprir
essa obra? Para isso contribuiu bastante, durante o período revolucionário, o
fim das antigas relações de classe e a instituição de uma escola pública para
todos os franceses. O populismo autoritário de Napoleão Bonaparte, a
implantação do Código Civil e a continuidade do processo educativo como
processo de disciplina da população juntou-se àquela idéia consagrada do
destino francês de levar a liberdade aos outros povos. Assim, a implantação de
um regime disciplinar intenso baseado nas instituições do Estado e que fará de
cada francês um defensor da nação, será o meio de afirmação da unidade
nacional. Escola, exército, hospital, prisão, tornam-se os pilares de um sistema
de educação/repressão que se encerra com a constituição dos limites das
liberdades individuais dentro do estado burguês e permitiu o desenvolvimento
do capitalismo. Um sistema de racionalidade aplicado ao conjunto da
população e que, ao mesmo tempo em que a adestra, a educa e acalma, a
integra à nação, ou, pelo menos, à idéia que se formou de nação, expandindo,
assim, o próprio poder do estado. Como a razão do estado é a sua
sobrevivência e para essa sobrevivência é necessário o aumento de sua
riqueza, estabelece-se uma aliança entre estado e burguesia, que se constitui
na própria idéia de estado moderno. Idéia esta realizada plenamente na França
do século XIX. 4. Aproximação da aristocracia à idéia de nação Napoleão
Bonaparte teve a habilidade de integrar novamente quase toda a população
francesa dentro da idéia de nação e de França grande, de Império francês,
trazendo novamente aos franceses o sentimento de superioridade na Europa.
A reconciliação entre a burguesia emergente vencedora da Revolução e a
aristocracia emigrada que retorna para ocupar sua posição política, se faz com
base na idéia burguesa que permeia o novo estado. Um estado baseado na
propriedade privada. A defesa da propriedade é o meio achado por Napoleão
para permitir a unificação de três classes sociais francesas distintas: a
aristocracia recuperada, a burguesia enriquecida, e os pequenos proprietários
liberais, tanto do campo como da cidade. A massa da população teve como
presente de grego o acesso aos bens públicos e aos serviços de assistência
social e de educação, sendo obrigada a servir à pátria. A instituição do serviço
militar obrigatório a todos os homens maiores de vinte anos de idade trouxe um
sentimento de integração a boa parte das massas populares, que não
compreenderam esse procedimento como uma sentença de morte dada aos
seus filhos na guerra, mas sim como uma incorporação política da cidadania. A
derrota de Napoleão na Rússia e depois seu fracasso ante os ingleses em
Waterloo redimensionaram essa idéia de França grande e de cidadania entre a
população, fazendo surgir os primeiros conflitos populares do século XIX. A
herança sans-culotte, da Conjuração dos Iguais de Babeuf e de Buonarrotti, os
pequenos proprietários e artesãos livres que não se tornaram proletários, serão
a base das primeiras idéias socialistas revolucionários de 1848, fundadas no
anarquismo de Proudhon, o primeiro francês a produzir uma crítica
contundente à propriedade privada, e no socialismo de Louis Blanc.

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